sexta-feira, 12 de agosto de 2011

Juíza assassinada pediu proteção policial há um ano e meio temendo ameaças, diz desembargador


A juíza Patrícia Acioli, assassinada quando chegava em casa na madrugada desta sexta-feira , esteve no gabinete do então presidente do TJ, Luiz Zveiter, há um ano e meio para solicitar proteção. É o que afirma o desembargador Rogério de Oliveira Souza. Ele e outro desembargador presenciaram a cena. Na ocasião, ela estava temerosa com relação a ameaças que vinha recebendo após ter decretado prisões de 45 integrantes de uma máfia ligada à exploração de transporte alternativo em São Gonçalo. Segundo Oliveira e Souza, a juíza aparentava estar preocupada. Contudo, o desembargador não soube informar o desfecho do encontro.

O presidente do Tribunal de Justiça do Rio, desembargador Manoel Alberto Rebêlo dos Santos, disse, no entanto, que a juíza Patrícia Acioli estava sem segurança do TJ por decisão própria.
- Por avaliação da Segurança Institucional do TJ, ela recebeu proteção policial completa, com três policiais militares, no período de 2002 até 2007. Depois, essa segurança foi reduzida para um PM, mas ela achou que não era necessário e abriu mão da escolta. No dia 29 de julho, estive reunido com os juizes da comarca de São Gonçalo e conversei com a juíza Patrícia Acioli. Ela estava bem e não fez qualquer comentário sobre se sentir ameaçada. Ao contrário, ela parecia inclusive feliz. Ela estava sentada no lugar dos jurados e quando terminou a reuñião, ela brincou dizendo que eu estava absolvido - comentou o desembargador, acrescentando que a Segurança Institucional do TJ não recebeu qualquer pedido de proteção por parte da juíza ou mesmo informações de que ela estaria sendo ameaçada no momento.
Horas antes de ser assassinada, a juíza Patrícia Acioli decretou a prisão preventiva de dois policiais militares do 7º BPM (Alcântara). Carlos Adílio Maciel e Sammy dos Santos Quintanilha são acusados de forjar um auto de resistência, ocorrido no dia 5 de junho deste ano, no Complexo do Salgueiro, em São Gonçalo. De acordo com fontes da polícia, nos últimos dez anos a juíza foi responsável pela prisão de cerca de 60 policiais ligados a milícias e a grupos de extermínio. Ela estava em uma lista de doze pessoas marcadas pra morrer, segundo investigadores. O documento foi encontrado com Wanderson da Silva Tavares, o Gordinho, acusado de ser chefe de uma milícia em São Gonçalo, preso em janeiro deste ano em Guarapari, no Espírito Santo.
Logo após o crime, o jornalista Humberto Nascimento, primo da vítima, disse que ela estava sem escolta por determinação do ex-presidente do Tribunal de Justiça Luiz Zveiter. O ex-presidente do Tribunal de Justiça e atual presidente do Tribunal Regional Eleitoral (TRE), entretanto, negou que tenha determinado a retirada da escolta da juíza. Segundo o desembargador, que presidiu o Tribunal de Justiça em 2009 e 2010, a escolta da juíza foi retirada em 2007, quando ele ainda não presidia o TJ, a pedido da magistrada.
- Os pedidos de escolta são analisados pela diretoria de segurança do TJ. Na minha gestão, não houve nenhum pedido de escolta para a juíza. O que me consta é que ela preferia a segurança do próprio marido, que era policial militar - disse Zveiter.
O magistrado lamentou a execução:
- O crime precisa ser apurado com todo o rigor e o mais rápido possível - sugeriu.
O presidente da Associação dos Magistrados do Estado do Rio (Amaerj), Antonio Siqueira, confirmou que a juíza dispensou a segurança do Tribunal de Justiça em 2007 e que a partir de então não chegou ao TJ nenhum relato de ameças contra a juíza.
- Não houve omissão do TJ. É possível que ela tenha avaliado mal ao tomar a decisão de contar com a segurança do seu marido, que é policial.
O presidente da Associação dos Juízes Federais do Brasil (Ajufe), Gabriel Wedy, lamentou a morte da juíza, e condenou o fato de ela estar sem escolta policial. Em nota, afirma ainda que ela já teve o carro metralhado em outra ocasião.
"Muitos juízes deixam a competência criminal com medo de serem mortos, pois o Estado não lhe dá a segurança necessária. Isso faz com que a sociedade fique a mercê, na mira desses meliantes. As polícias não possuem qualquer efetivo para dar segurança aos magistrados. O Poder Executivo e o Congresso Nacional nada fazem a respeito, além de virar as costas aos pleitos dos juízes que encontram-se com os seus direitos e prerrogativas cada vez mais vulneráveis", diz trecho da nota.
Também em nota, o presidente nacional da Ordem dos Advogados do Brasil, Ophir Cavalcante, cobrou "a imediata apuração dos autores e mandantes do assassinato" da juíza. Ele considerou o crime uma "barbaridade contra um ser humano e, sobretudo, contra Justiça brasileira e o Estado de Direito". Cavalcante também pediu explicações sobre o fato de a juíza estar sem escolta:
"O fato de o TJ ter retirado a escolta pessoal que a juíza tinha é algo que precisa de uma explicação por parte daquele Tribunal, sobretudo por parte de seu presidente à época, o desembargador Luiz Zveiter", afirmou em trecho da nota.
O presidente do Supremo Tribunal Federal, Cezar Peluso, repudiou o assassinato da juíza. Na nota, Peluso fala em nome do STF, do Conselho Nacional de Justiça (também presidido por ele) e do poder judiciário. Segundo o ministro, crimes como o ocorrido nesta sexta "constituem atentados à independência do Judiciário, ao Estado de direito e à democracia brasileira". Ele destaca ainda a importância de preservar o "império da lei" pela rápida apuração e punição dos culpados. Peluso termina a nota dizendo que Acioli "deixa uma lição de profissionalismo, rigor técnico e dedicação à causa do direito" e que "esse exemplo sirva de consolo a seus familiares, a quem encaminho minha solidariedade e sinceras condolências".
No site do STF, é informado também que, quando informado do assassinato, Peluso telefonou para o ministro da Justiça, José Eduardo Cardozo, pedindo a "intervenção urgente da Polícia Federal". Ainda segundo o site do STF, Cardozo "assegurou que tomaria providências imediatas". Peluso também telefonou para o governador do Rio, Sérgio Cabral, "que informou que todas as medidas necessárias estão sendo tomadas com o máximo de empenho para apuração da autoria do crime". O presidente do STF conversou ainda por telefone com o presidente do Tribunal de Justiça do Rio de Janeiro (TJRJ), desembargador Manoel Alberto Rebêlo dos Santos.
Comissão de juizes será criada para assumir processos de São Gonçalo
O presidente do Tribunal de Justiça do Rio afirmou criará uma comissão de juízes criminais para assumir os processos da 4ª Vara Criminal de São Gonçalo que estavam sob a responsabilidade da juíza. Segundo ele, isto dará mais segurança aos magistrados e agilizará os processos que estão tramitando naquela comarca. O presidente do TJ disse ainda que determinou que fossem lacrados o gabinete e as câmaras de segurança da 4ª Vara Criminal, que ficarão à disposição da polícia para a apuração do crime. Ele contou que o secretário de Segurança, José Mariano Beltrame, ligou para ele ainda de madrugada afirmando que colocaria todo o efetivo policial do estado para apurar o crime:
- Esse crime será apurado, os responsáveis serão presos e enviados imediatamente para um presídio de segurança federal fora do estado - afirmou Manoel Alberto.
O procurador-geral de Justiça do Rio, Cláudio Lopes, determinou nesta sexta-feira que o Grupo de Atuação Especial de Combate ao Crime Organizado do Ministério Público (GAECO) investigue a morte da juíza. Outros três promotores de Justiça vão auxiliar o grupo, analisando as linhas de investigação e levando em consideração as pessoas que já foram condenadas ou julgadas pela juíza e que teriam interesse em sua morte. Claudio Lopes destacou que o crime organizado de São Gonçalo tem sido combatido graças a um trabalho conjunto da Polícia Civil, do Ministério Público e da PM, e disse que em 24 anos de MP não se lembra de um caso de juiz que tenha sido assassinado no Rio de janeiro. Para o procurador-geral, que a morte da juíza tem caracaterísticas de crime de máfia.
Na manhã desta sexta, o governador Sérgio Cabral disse que está em contato direto com o Secretário de Segurança, José Mariano Beltrame, e com a chefe de Polícia Civil, delegada Martha Rocha, para que seja esclarecido o mais rápido possível o assassinato da juíza. Segundo o presidente da Associação dos Magistrados do Estado do Rio (Amaerj), Antonio Siqueira, Beltrame disse que mobilizou todas as forças policiais do estado para esclarecer o crime, que considerou de extrema gravidade. O ministro da Defesa, Celso Amorim, também disse ter ficado chocado com o crime.
- Como cidadão, fiquei chocado. Soube do que aconteceu pelo secretário de Segurança, José Mariano Beltrame - contou o ministro, que participou da solenidade de passagem de cargo de comandante da força de pacificação na base do Exército, no Complexo do Alemão.
Uma juíza linha-dura no caminho dos PMs
Em janeiro deste ano, a juíza decretou a prisão preventiva de seis policiais do 7º BPM, acusados de forjar um auto de resistência (morte em confronto com a polícia), em outubro do ano passado, em São Gonçalo.
Patrícia Aciole observa inquéritos de homicídios que seriam arquivados por falta de investigação / Foto: Arquivo / Domingos Peixoto
Em setembro de 2010, Patrícia expediu os mandados de prisão de quatro policiais militares acusados de participar de um grupo de extermínio, que teria executado 11 pessoas, em São Gonçalo. Os policiais do 7º BPM (São Gonçalo) denunciados por homicídio em casos que foram registrados inicialmente como autos de resistência seriam julgados por Patrícia.
Titular da 4ª Vara Criminal de São Gonçalo desde 1999, ela é a única que julga processos de homicídio - e crimes correlatos - na cidade. Conhecida pelo rigor na hora de inquirir os réus e por dar celeridade aos processos, ela considerava o crime cometido por um policial durante o serviço mais grave que o praticado por um cidadão comum.
- Ao cometer um crime, o policial gera na população uma descrença no poder constituído. O povo passa a procurar o poder paralelo e desacreditar o estado - disparou Patrícia.
Nos primeiros anos de vida profissional, quando ainda era defensora pública, na Baixada Fluminense, Patrícia foi incumbida de representar parentes de vítimas de grupos de extermínio - muitos formados por policiais. Ela era vista com desconfiança por seus assistidos.
- Eles não entendiam direito. Na cabeça deles, passava a dúvida: como pode o Estado (a defensora) estar me defendendo, se foi o mesmo Estado (os policiais) que matou meu filho, meu marido? - conta.

À época da entrevista, Patrícia Acioli já colecionava ameaças. Ela, no entanto, dizia não ter medo de decretar prisões. Apesar de não temer ameaças, a juíza não permitiu que seu rosto fosse fotografado para a reportagem. Segundo ela, é uma forma de preservar sua família.
- Não tenho medo de ameaça. Quem quer fazer algo vai e faz, não fica ameaçando. Ninguém morre antes da hora. Sei que, no imaginário popular, a juíza é quem faz tudo, mas é a polícia que investiga, são os promotores que fazem a denúncia e é o júri que julga - afirmou ela, tentando explicar a fama de durona que tem na cidade.
Ameaçada de morte por um agiota, que mandou prender, ela recebeu meses depois um pedido de proteção feito por ele. É que após sair da cadeia, o agiota foi ameaçado por cúmplices.
- E ela deu proteção - contou o promotor Cunha Júnior.
fonte: Paraíba1

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